Cenário INCERTO para o CALÇADO

26.10.2016 - Carina Locks / Jornal Exclusivo
Passada a fase mais turbulenta da crise econômica, que culminou com a substituição do governo federal – afastamento de Dilma Rousseff e posse de Michel Temer –, o cenário brasileiro continua difícil de ser definido. Com consumo retraído, desemprego elevado e queda da renda real, a indústria calçadista parece aguardar dias mais prósperos para voltar a investir. Mesmo assim, o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) aponta saldo positivo de 12 mil postos no setor calçadista desde o início de ano até o fim de agosto. Contudo, o segmento tinha, em 31 de agosto passado, quase 7 mil trabalhadores menos do que na mesma data de 2015.
Se a recuperação da economia será mais lenta do que se esperava, as exportações de calçados também não têm correspondido às expectativas criadas com base na valorização do dólar. Nos oito primeiros meses do ano, 76,5 milhões de pares foram enviados para o exterior (+2,6% em relação ao mesmo período de 2015). Já o valor (US$ 617,8 milhões) foi apenas 0,8% superior.
A queda de 6,2% nas vendas de calçados de janeiro a julho se reflete na produção nacional, que caiu 5% neste mesmo período, conforme a Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados). Como consequência, lojistas mostram cautela na hora de comprar produtos para o verão, embora o frio intenso e prolongado dos últimos meses tenha contribuído para baixar estoques retidos. A Associação Brasileira de Lojistas de Artefatos e Calçados (Ablac), por sua vez, acredita que a cautela deve continuar caracterizando o comportamento do consumidor por um bom tempo ainda, refletindo em vendas estáveis ou crescimento pequeno.
Mirando o fim de ano – tradicionalmente a melhor época para o varejo –, a expectativa da Abicalçados é que o faturamento das fabricantes calçadistas, que agora entregam com prazos reduzidos, aumente no curto prazo. Mas se o varejo aguarda melhoria na taxa de desemprego para vislumbrar um cenário mais promissor, não deve ser da indústria calçadista que receberá esta ajuda. Grandes fabricantes ouvidas pela reportagem do Jornal Exclusivo relatam apenas reposição do quadro de funcionários e dizem que estão em fase de planejamento para 2017.
Exportações travadas
O economista e professor universitário Marcos Lélis (São Leopoldo/RS) avalia que a situação ainda não melhorou para o setor calçadista, basicamente, porque o mercado interno continua retraído e as exportações cresceram, mas não tanto quanto era esperado.
Para ele, as vendas para o exterior não deslancharam por dois motivos: a economia mundial está crescendo pouco – o que tem ofuscado a melhora do câmbio – e, por outro lado, muitas fabricantes estão apenas em fase de retomada das exportações. A parte ruim desta desmobilização de empresas exportadoras em períodos desfavoráveis para o comércio internacional acaba fazendo com que a retomada das vendas externas seja lenta.
Ao menos, economia parou de encolher
Lélis, que apresentou, no dia 13 de outubro, o Relatório Setorial da Indústria de Calçados, realizado pela Abicalçados, diz que o mercado ainda precisa de um sinal mais claro para conseguir desvendar o futuro. “O que sabemos é que a economia parou de encolher, mas talvez ainda permaneça estagnada por um tempo maior do que se esperava”, calcula o economista, apontando que o crédito travado e a taxa de juros altíssima ainda são entraves para um cenário mais positivo no Brasil.
Segundo ele, as incertezas em relação aos próximos meses ou anos podem ser verificadas em números contraditórios apontados por importantes organizações, como Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Central e Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). “Diante de um cenário incerto, fica difícil fazer investimentos e, por isso, não deve haver aumento imediato na produção industrial”, pontua Lélis.
Na previsão do economista, é possível que o rendimento real (renda gerada pelo emprego formal) pare de cair em 2017, mas podem-se passar até dois anos para que se retome o patamar de consumo anterior à crise. O aspecto positivo indicado pelo especialista é que calçados – ao o contrário de eletrônicos e bens duráveis – não dependem tão diretamente do crédito para serem comercializados. “A venda de calçados depende mais de massa de rendimento”, diz.
Papai Noel deve ser magrinho
Como reflexo do momento atual, o varejo tem a expectativa de contratar menos funcionários temporários neste fim de ano e investir pouco para o período do Natal. A Associação Brasileira de Lojistas de Artefatos e Calçados (Ablac) prevê que não haja uma elevação substancial nos negócios relacionados a calçados e acessórios no período e o Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) e a Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) calculam que as vendas gerais sejam 1,8% menores em relação ao ano passado.
Uma pesquisa realizada em todas as capitais brasileiras e no interior pelo SPC Brasil e pela CNDL mostra que somente três em cada dez (27,9%) comerciantes pretendem investir em seus estabelecimentos para o Natal – no ano passado o percentual era de 32,8%. Os que garantem que não farão investimentos somam 65,4% dos varejistas consultados.
Para os economistas do SPC Brasil, a baixa intenção de investimentos é um reflexo direto do desânimo e da pouca confiança provocada pelos resultados ruins da economia brasileira nos últimos anos. “Com a economia ainda fragilizada pela inflação alta, pela diminuição dos postos de trabalho e pela queda no poder de compra das famílias, o comércio varejista não espera uma reação muito positiva nas vendas deste Natal”, acrescenta a economista-chefe do SPC Brasil, Marcela Kawauti.
Para os comerciantes que têm intenção de investir no estabelecimento para o Natal – e que representam a minoria dos entrevistados –, os principais tipos de investimentos serão ampliação do estoque (52,5%), aumento da variedade de produtos (41,5%) e divulgação da empresa (26,7%).
Contratações enxutas
As tradicionais contratações de mão de obra temporária também devem ser afetadas. Pesquisa do SPC Brasil e da CNDL indica que 84,6% dos empresários não contrataram e nem pretendem contratar trabalhadores para o fim de ano, incluindo os temporários. Apenas 15,4% dos consultados manifestaram a intenção de reforçar o quadro.
Levando em consideração o setor do varejo e serviços, apenas 27,2 mil vagas extras devem ser criadas, o que demonstra estabilidade frente às 24,4 mil observadas em 2015. Para quem não vai contratar, a principal razão é não ver necessidade na ampliação do quadro de funcionários, acreditando que a equipe atual dará conta do volume de clientes aguardados para o período (46,6%). Outras justificativas são a expectativa de baixa demanda no período (13,2%) e a falta de dinheiro para pagar mão de obra extra (12,2%).
O presidente da Ablac, Imad Esper, acredita que neste ano a maioria das lojas deverá utilizar a sua própria força de vendas, explorando mais o banco de horas de cada colaborador e recorrendo aos temporários somente se o fluxo de clientes já em outubro e novembro for maior do que o previsto.

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