Não há dados oficiais, mas basta um passeio pelas ruas de Novo Hamburgo para constatar que as grandes indústrias, abarrotadas de esteiras, com milhares de funcionários, quase não existem mais. A Capital Nacional do Calçado deixou de ostentar este título pela quantidade de pares diretamente produzidos na cidade, mas nem por isso perdeu a importância no cenário nacional e internacional. Principal fator que provocou este rearranjo produtivo, a China obrigou a indústria gaúcha a mudar as características do produto que fabricava. Os pedidos em larga escala que abasteciam especialmente o mercado norte-americano foram escasseando e novos clientes precisaram ser conquistados. Economista e professora de Administração da Universidade Feevale (Novo Hamburgo/RS), Lisiane Fonseca da Silva destaca o esforço dos calçadistas de toda região para sobreviver. “Foi necessário pensar em novos produtos e fazer um reposicionamento de marca. Não perdemos força porque o know-how permanece aqui no Vale. A tradição de polo calçadista fez com que o Estado tivesse a expertise no desenvolvimento do produto: design, escolha de materiais etc”, detalha.
Pesquisador da Fundação de Economia e Estatística (FEE), Tomás Amaral Torezani acrescenta que, por mais que a China tenha inundado o mundo com produtos de baixo valor agregado, o Rio Grande do Sul, em contrapartida, buscou especializar-se em mercados de luxo. “O setor aperfeiçoou aspectos como o design, incorporando marca e melhorando todo o processo produtivo”, opina ele, ressaltando que, mesmo com a mudança, o Estado segue dominando as exportações no País (ver quadro).
Torezani enfatiza que o preço médio do produto exportado do Rio Grande do Sul é muito superior à média nacional. “Entre os anos de 2003 e 2015, a média do Brasil foi de 10 dólares o par. No mesmo período, a média do Estado foi cerca de 19 dólares o par”, compara.
NOVOS NEGÓCIOS
Por mais que crises tenham atrapalhado o desenvolvimento do País, o setor calçadista do Rio Grande do Sul mostra que tem capacidade para se reinventar. Em 2015, só Novo Hamburgo teve 1.715 novas empresas abertas relacionadas ao segmento – seja em serviço, comércio, indústria ou MEIs (Micro Empreendedor Individual), segundo dados da Prefeitura local. Neste ano, a cidade está entre as 17 que mais empregaram, de acordo com dados do Cadastro-Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho e Previdência Social. “Podemos dizer que as gigantes da indústria talvez não estejam aqui, pois o perfil de companhias calçadistas no Estado é de micro, pequena e médias empresas. Mas isso só reforça a identidade de que valor, design e tecnologia são nossos diferenciais. O nosso foco talvez não seja quantidade e, sim, qualidade”, finaliza o pesquisador da FEE.